Comumente se afirma que uma das conquistas do mundo
civilizado é a construção de um estado laico, ou seja, o mesmo não é norteado
por princípios religiosos, sendo oficialmente neutro em matéria de fé. Um dos
objetivos disso é evitar o que, no passado cristão e no presente de algumas
nações muçulmanas, conhecemos como estados teocráticos, que são uma forma de
governo em que a política oficial é regida por orientação divina imediata ou
por pessoas que são consideradas como divinamente guiadas, ou simplesmente em
conformidade com a doutrina de um determinado grupo religioso ou a religião.
Não há como negar, no passado e no presente,
sempre que se utiliza o discurso da religião na construção política, a única
coisa que se conseguiu foi instalar o inferno na terra, que o digam, as
cruzadas, as inquisições e os homens bomba.
Sendo assim, a laicidade do estado é sem dúvida
uma conquista que precisa ser preservada, não discuto isso. No entanto, o que
vemos hoje é um movimento inverso, hora sutil, hora hostil, dirigido aos
movimentos religiosos, apresentando-os suas propostas como anacrônicas,
atrasadas, irascíveis ou até mesmo cruéis.
Claro está que nem sempre a fé acompanha a
expansão da cultura, assim como também nem sempre a cultura consegue alcançar
os níveis transcendentes de percepção da fé.
Uma mente prodigiosa pode chegar à compreensão da
natureza íntima das forças em movimento no universo, produzir as tecnologias
mais brilhantes e revolucionárias, e as mais belas manifestações da arte e da
cultura, e, no entanto pouco compreender sobre a experiência ético-moral que
nos faz suportar a vicissitudes da vida. De igual modo, uma pessoa com grade
devoção pode expressar as mais altas manifestações de doação, sem, contudo, se
permitir atender aos requisitos do progresso das sociedades, vendo de forma
irracional este último como antítese da fé.
Grande parte da mídia anunciou a decisão do
Supremo como um avanço contra o fanatismo religioso, contra a intolerância.
Acontece que se não faz sentido a religião obrigar a ciência a adotar
procedimentos que não se coadunam com requisições da lógica, mesmo que haja
discordância na própria ciência sobre a questão dos anencéfalos, também não é
lícito que a ciência imponha regras à religião que sejam conflitantes com seus
valores que apelam para a sensibilidade e visão transcendente da vida.
Assim, somente o respeito mútuo entre ciência e fé
nos permitirá um futuro de entendimento. De outro modo, ficaremos sempre
oscilando perigosamente entre o desdém da descrença ou pelo absurdo do
fanatismo.
Nesse julgamento os eufemismos foram usados
profusamente. Num deles, o ministro Marco Aurélio afirmou que não se tratava de
“eugenia” (seleção genética de uma espécie), mas sim “antecipação terapêutica
do parto”, uma expressão que apenas tenta mitigar a responsabilidade moral da
sociedade ao escolher pela morte daqueles que supõe, com poucas evidências
cabais, sem vida.
A decisão do Supremo cabe ser cumprida, mesmo
estando muitos de nós irresignados, afinal de contas, isso é democracia.
Chegará o dia, tenho esperança, em que as evidências serão mais fartas do que
hoje, provando que a vida não se esgota nas funções cerebrais.
Mas, não devemos desistir. Apelemos agora para a
consciência individual das mães que por ventura tenham filhos anencéfalos em
seus ventres. Não! Eles não são aberrações, são filhos. Com limites graves, é
bem verdade, e que apesar de se não poderem desenvolver uma relação de trocas
simbólicas através da fala (o que também acontece em muitos casos de autismo),
são sensíveis a um sentimento que transcende todo o entendimento, o amor.
(Rossandro Klinjey)
Conheçam mais textos de Rossandro Klinjey clicando aqui. Ele também é palestrante espírita (Campina Grande/PB) e estará no Sertão Jovem Espírita - Itaporanga/PB nos dias 14 e 15 de julho.
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